Distúrbios Comportamentais em Equinos

INTRODUÇÃO
Os equinos iniciam sua história a partir do Eoceno (36 a 55 milhões de anos atrás), com o grupo Hyracotherium cujas características eram o pequeno tamanho (entre 25 e 50 cm e peso entre 4 e 16 kg), presença de mãos com 4 dedos e plantas dos pés com 3 dedos ao invés dos cascos que conhecemos atualmente. Esse animal inicialmente recebera o nome Eohippus, que significa “cavalo da aurora” (CARTELLE, 1991).
A evolução do cavalo resultou em um animal monodáctilo, ágil e de grande porte. A redução do número de dedos, a perda do coxim plantar, o alongamento proporcional dos membros em relação ao tamanho do corpo e a fusão de alguns ossos permitiu o desenvolvimento de um sistema locomotor especializado que causou um grande aumento da eficiência da marcha com o intuito de possibilitar maior chance de fuga dos predadores. Além disso, todo o desenvolvimento dentário observado através do ciclo evolutivo, incluindo o desenvolvimento sensorial dos lábios e da boca e o alongamento do maxilar, contribuiu para aumentar a capacidade de pastejo dos animais, permitindo maior eficiência alimentar e determinando grande parte do comportamento atual dos cavalos (MILLS, 2005).
De acordo com Sayer, 1977, a domesticação dos cavalos ocorreu a cerca de 3 mil anos atrás e foi muito importante para o desenvolvimento das civilizações asiáticas e europeias. Devido ao seu poder de tração e a sua velocidade de deslocamento, os equinos eram muito utilizados como meio de transporte, companheiro de lutas e das guerras, instrumento de trabalho e de lazer (HETZEL, 2005).
Antes de sofrer o processo de domesticação, os equinos possuíam um meio de vida ao qual eram perfeitamente adaptados, no qual habitavam grandes territórios, tinham acesso a pastagens abundantes e um modo de interação social particular com a formação de uma hierarquia estrita (DIAS, 1997).
A evolução do uso do cavalo provocou nos animais uma mudança no seu comportamento natural, alterando a forma como são criados, o ambiente em que habitam e o tipo de trabalho que devem executar (ROBERTS, 2001).
Na natureza, o equino é um animal de pastoreio contínuo que, ao longo de sua evolução, desenvolveu uma anatomia dentária apropriada para a sua mecânica mastigatórias. Os cavalos costumam gastar grande parte de seu tempo (cerca de 60 a 70% do dia) acordados para se alimentarem na forma de pastejo; no resto do tempo observam os outros animais, acariciam-se uns aos outros, brincam ou andam à procura de novas áreas de pasto, o que o faz necessitar de grandes áreas para viver (GOLOUBEFF, 1994).
Os animais estabulados vivem em baias ou em pequenos piquetes, sem outros indivíduos semelhantes próximos passam a maior parte do tempo parados, o que propicia enormemente o desenvolvimento de vícios. É inerente ao cavalo praticar exercícios físicos, particularmente corridas e longas caminhadas. A falta de espaço para colocá-los em liberdade e/ou a falta de tempo para se realizar exercícios acompanhando os animais causam prejuízos variados na saúde e bem-estar desses animais.
Ao contrário do que fazia na natureza, gasta pequena parte do tempo alimentando-se, onde passa a ter que comer toda a sua comida em um curto espaço de tempo, fornecida poucas vezes ao dia, além disso o tipo de alimentação também foi modificado consistindo mais em rações com alta concentração energética em detrimento das folhagens verdes tenras (gramíneas e leguminosas) (RIBEIRO, 2009; PIMENTEL, 2002).
Dessa maneira, o confinamento excessivo acaba desprovendo os equinos de alguma ou todas das cinco liberdades consolidadas de bem-estar animal. As cinco liberdades, definidas pelo Comitê Brambell em 1965 e revisadas em 1993 pelo Conselho de Bem- Estar de Animais de Produção (Farm Animal Welfare Council ). São elas:
1. Liberdade de fome e sede - pelo acesso à água fresca e uma dieta para manter a saúde e o vigor;
2. Liberdade do desconforto - fornecendo um ambiente apropriado, incluindo o abrigo e área de repouso confortável;
3. Liberdade de dor, ferimento ou doença - pela prevenção ou diagnóstico e tratamento rápidos;
4. Liberdade para expressar o comportamento normal - fornecendo espaço suficiente, condições apropriadas e companhia de outro animal da mesma espécie;
5. Liberdade do medo e da aflição - assegurando as circunstâncias e o tratamento que evitam o sofrimento mental.

 A falta de uma ou mais das cinco liberdades gera problemas fisiológicos, físicos e comportamentais, desencadeando vícios, frequentemente observados em animais estabulados (SOUZA, 2006; VÍCIOS, 2007; ANDRADE, 2009).
Essa revisão tem por objetivo avaliar quais são os principais distúrbios comportamentais em equinos estabulados e verificar quais as suas consequências sobre a saúde e bem-estar desses animais além de propor métodos que minimizem esses comportamentos e aumentem qualidade de vida desses animais.

ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS


Os equinos são fisiologicamente adaptados a uma dieta de herbívoros, dessa maneira, sua estrutura anatômica e seu comportamento também são selecionados para esse propósito.
No entanto, o manejo nutricional moderno está associado, quase sempre, com dietas diferenciadas, e mudanças na quantidade e frequência do consumo alimentar do cavalo. (WARAN e CASEY, 2002).
Outra mudança foi em relação ao condicionamento do cavalo. Um animal que na natureza goza de liberdade de pastejo, passa a se adaptar a um ambiente limitado, com reduzidas possibilidades de locomoção e contato social (HOTHERSALL e NICOL, 2009).
Equinos estabulados rolam apenas 90 graus e retornam à posição inicial, diferente do que ocorre com os animais a pasto, que rolam completos 180 graus, sinalizando um maior conforto e condições de bem-estar a esses animais (HANSEN et al., 2007).
Segundo Luescher et al. (1991), a ausência de adequada integração social pode levar ao desenvolvimento de diversos problemas, como por exemplo, a “agressão induzida por isolamento” além disso, a sua restrição ao pastejo podem ocasionar, dentre outros, alguns distúrbios digestivos.
Nesse contexto, considerando-se o desenvolvimento evolutivo dos equinos, seus os hábitos naturais e as sua exigências, é de se esperar que os animais estabulados desenvolvam estereotipias. Isso ocorre devido ao tédio e à ociosidade a que são submetidos (LEWIS, 2000).
A ociosidade é um fator determinante de diversos transtornos psicológicos nos equinos, muitos dos quais do tipo obsessivo-compulsivo.
O estresse crônico é a causa mais provável para o desenvolvimento do comportamento anormal. Ele relaciona-se diretamente com a dificuldade para exercer comportamentos espécie-específica do animal, restrição alimentar visando concentrado em detrimento da forragem, restrição locomotora e isolamento social (REDBO et al., 1998; MC BRIDE e HEMMINGS, 2009).
Esses comportamentos anormais são denominados estereotipias e caracterizam-se como movimentos invariáveis, sem propósito aparente desempenhado de forma excessiva e sem motivo, a qual são indicadores de desordens fisiológicas e interferem negativamente no bem-estar do animal (BROWN, 2005; WATERS; NICOL; FRENCH, 2002).
Alguns autores têm argumentado que estereotipias são patologias funcionais do sistema nervoso, outros argumentam que são problemas relacionados a estresse e adversidade de manejo (MCGREEVY; NICOL, 1998a).
Segundo Lewis (2000), quanto maior e mais rápida for a restrição de liberdade e isolamento e menor for o tempo de exercício e de frequência alimentar, maior será o risco de desenvolvimento de estereotipias e mais alta será a incidência de distúrbios em equinos estabulados.
Cabe ressaltar que essas alterações comportamentais são raras em cavalos que não se encontram confinados e em grande parte das vezes diminuem ou desaparecem quando os cavalos são colocados em espaços maiores (BROOM; KENNEDY, 1993).

Os distúrbios comportamentais são divididos em três categorias: distúrbios sexuais, agressividade e estereotipias.

Dentre os Distúrbios sexuais destacam-se a masturbação e temperamento nervoso do macho, e têm como consequências o enfraquecimento e possível queda do índice de fertilidade.
A Agressividade pode ser resultado do medo ou da resistência. Ocorre em função da sua defesa; não podendo fugir resta apenas a agressividade como meio de proteção. Introduzir o equino em um ambiente onde possa ter contato com outros da mesma espécie, oferecer diversas formas de forragem no meio em que ele se encontra, manter uma alimentação saudável que obedeça às exigências nutricionais do animal, e uma correta suplementação são fatores que podem evitar ou reduzir os distúrbios causados pelo stress, tédio e ociosidade, mantendo melhores a qualidade de vida e o desempenho do animal em suas tarefas.
Já as estereotipias, segundo Brown (2005), podem ser divididas em estereotipias de locomotor e estereotipias orais.

Os tipos de estereotipia locomotoras frequentemente vistos são:

  • Andadura em círculos (deslocamento contínuo em círculos de pequeno diâmetro);
      ·  Sapateamento (passos alternados com os membros dianteiros sem que o animal saia do lugar);

  • Tique ou birra de urso (oscilação da cabeça e pescoço com apoio alternado dos membros dianteiros seguindo o mesmo ritmo). Esse problema pode ter origem no excesso de trabalho ou isolamento total. Essa síndrome resulta em emagrecimento excessivo e progressivo, irritabilidade e sobrecarga nas articulações. Medias como a ressocialização dos animais isolados auxilia a neutralizar esse comportamento podendo esse ser praticamente extinto com estratégias de manejo eficientes.
      · O escoiceamento também pode ser considerado uma estereotipia quando não ocorre como resposta a algum estímulo humano, seja por defesa ou por pura agressividade, mas, sim, quando ocorre quando o animal se encontra sozinho na baia e cujos golpes são desferidos contra objetos ou paredes da baia.

Dentre as estereotipias orais destacam-se:

         · Lignofagia (mordedura de madeira ou objetos de madeira com os incisivos). As principais causas desse distúrbio são o tédio, deficiências de minerais na dieta e a limitada quantidade de forragem fornecida. Segundo Meyer (1995) o habito de roer madeira ocorre com maior frequência a noite, e afirma ser a deficiência de minerais como fósforo, cloreto de sódio, cobre e microelementos na dieta além da utilização dos alimentos peletizados fornecidos como única fonte de volumoso são agravantes da estereotipia. O comportamento de roer a madeira das portas das baias pode ser considerado normal, quando comparada ao comportamento de equinos selvagens que, em certas ocasiões, mordem cascas de árvores. O fato de roer madeira poder ser um estereótipo ou pode refletir uma tentativa normal de satisfazer as necessidades nutricionais do animal (McCALL, 1993). Dietas altamente concentradas ou peletizadas e refeições fornecidas poucas vezes ao dia aumentam a incidência desse comportamento. Ainda alimentos grosseiros e indigestos podem desempenhar papel importante na dieta de animas em estado selvagem. A prática de roer madeira aumenta em climas frios e úmidos, sugere vital importância a ingestão de arbustos de inverno quando outras vegetações não estão disponíveis.

·  Protrusão lingual (língua pendente)
·  Língua de serpentina (vibração da língua)
·  Lambedura dos lábios
·  Ranger de dentes
·  Coprofagia (hábito de ingerir fezes). Pode ser considerada um comportamento normal, com o objetivo de obter uma suplementação alimentar ou ingestão de flora bacteriana intestinal (CROWELLDAVIS & HOUPT, 1985 apud REZENDE, 2006). Segundo Ribeiro (2006), os principais fatores que levam os animais a apresentarem este tipo de comportamento podem ser devido a dietas deficientes em proteínas (com menos de 10%) e com pouca quantidade de alimentos volumosos e que o fornecimento de alimento de boa qualidade e correta quantidade, divididos em varias porções diárias, pode evitar ou eliminar esta alteração de comportamento, pois os animais passarão a maior parte do tempo se alimentando.
·  Aerofagia com apoio e sem apoio (hábito de ingerir ar)
o   Aerofagia com apoio - A aerofagia com apoio é reconhecida como problema de comportamento de quinos desde 1578 (McGREEVY et al. 1995) . Esse é o comportamento no qual o equino move os lábios, podendo lamber e prender objetos fixando-os com os dentes incisivos flexiona e arqueia o pescoço e puxa para trás engolindo ar e grunhindo ao mesmo tempo. Normalmente são gastas até seis horas por dia com esse estereótipo (NINOMIYA et al., 2007). O hábito de morder o cocho é exclusivamente atribuído a equinos domesticados, criados individualmente ou em grupos, não sendo verificada a ocorrência desse comportamento em manadas selvagens no mundo e nem em equinos selvagens mantidos em zoológico. Métodos de prevenção atuam de forma a projetar adequadamente as baias optando por evitar superfícies de apoio, uso de eletrochoque, utilização de colar eletrônico para adestramento de cães, uso de colar de pescoço para evitar o movimento de deglutição, intervenção cirúrgica que envolve a incisão de muitas combinações de músculos e nervos na região ventral além dos manejos nutricionais e sociais adequados (McGREEVY & NICOL, 1998).
o   Aerofagia sem apoio - Esse estereótipo ocorre quando o equino move os lábios, fecha a boca, dobra e arqueia o pescoço, levantando a cabeça para cima e para baixo em vários movimentos repetitivos, além de engolir ar e grunhir, se diferenciando da aerofagia com apoio por não prender nenhum objeto fixo com seus dentes incisivos (HOUPT & McDONNELL, 1993). Esse comportamento surge quando o animal está impedido de realizar o ato de morder cocho e uma vez iniciado, o hábito começa a se estabelecer e é facilmente copiado por outros equinos que, uma vez adquirido dificilmente poder ser eliminado (McGREEVY et al., 1995). A aerofagia está frequentemente associada a cólicas gasosas, problemas dentários e recentemente associada a episódios de úlceras gástricas e doença nervosa motora em equinos. Os métodos para evitar ou amenizar a aerofagia consistem em colocar o animal em companhia de outros em piquetes, aumentar o número de exercícios e fornecer maior quantidade de feno ou gramíneas verdes picadas grosseiramente, ou seja, manter o animal ocupado por mais tempo.
·  Cavalo comedor de cola (hábito de comer os pelos das caudas dos outros animais), picassismo (hábito de ingerir objetos estranhos)
·  Automutilação (a mordida dirigida aos próprios flancos, peito e membros). Acredita-se que sua causa seja de ordem psíquica, oriunda de frustração, devido a desordens sexuais, tanto em garanhões quanto em animais castrados que convivem com fêmeas (BROWN, 2005).

Outras consequências

Além das consequências já citadas pode-se ainda considerar:
Estresse que por sua vez é o grande causador dos problemas psicológicos do cavalo. O estresse pode causar no animal o surgimento de gastrite, sendo que o estresse contínuo sem tratamento pode ocasionar lesões mais graves que são as úlceras.  Savage (2001) cita causas multifatoriais, mas inclui o estresse em razão de doença, hospitalização, excesso de exercício e alterações dos hábitos alimentares; ainda segundo Savage (2001) a ulceração gástrica pode ocasionar sintomas detectáveis em potros como bruxismo e ptialismo (salivação excessiva), sendo que em casos graves levam a anorexia.

Distensão gástrica originária primariamente de material alimentar sólido (sobrecarga de cereais), ou secundariamente a distúrbios da motilidade/esvaziamento gástrico, é problema sério sendo, difícil se firmar o diagnóstico definitivo (KNOTTENBELT, 1998). A distensão pode ser causada por excesso de alimento concentrado ou por alimento excessivamente fibroso, o que causa uma impactação e fermentação no estômago do animal.

Sablose, que trata-se de uma doença caracterizada por acúmulo de areia no estômago, também causa sintomatologia semelhante à distensão gástrica por sobrecarga de alimentos e é causada geralmente devido ao por fornecimento de água e/ou alimentos em recipientes contendo areia ou diretamente sobre o solo arenoso (erro de manejo) .

Desgaste de cascos, alterações musculares, tendinites e outras inflamações nos membros, devido a estereotipia locomotora demasiada. Isso interfere no comportamento normal do animal, gerando dificuldade no aprendizado e no desempenho de suas respostas aprendidas, causando também como consequência a diminuição do seu desempenho no trabalho devido à fadiga ou lesão adquirida (BROWN, 2005).

Tratamento
O principal tratamento seria de fato a prevenção, mudança no manejo.
Devem ser adotadas práticas que permitam ao equino expressar uma gama mais ampla de comportamentos naturais tentando amenizar ao máximo a condição de confinamento, isolamento e incitação emocional (BROWN, 2005).
Ou seja, oferecer condições de alojamento, alimentação e manejo adequados deve ser a primeira ação para impedir que o animal venha a desenvolver um comportamento estereotipado que, consequentemente, poderá acarretar em prejuízo para a própria saúde do animal (BROOM; KENNEDY, 1993)

CONCLUSÃO

Confinar animais de vida livre traz consigo danos ao bem-estar e a saúde desses animais predispondo-os significativamente a desenvolverem comportamentos estereotipados. A realização de práticas de manejo diferenciada das quais os equinos originalmente eram submetidos como: quantidade e qualidade do alimento, vida em baias e arraçoamento em horas pré-estipuladas, falta de um ambiente social entre os cavalos e exercícios inadequados para a espécie podem gerar graves distúrbios comportamentais que podem se agravar em gastrites, aumento na incidência de ulcerações gástricas e outras doenças gastrointestinais, problemas orais e locomotores, associado ainda à desvalorização dos animais portadores. A melhor forma de tratamento para esses comportamentos estereotipados seria tomar medidas profiláticas iniciando por uma mudança de manejo. Dessa maneira, enriquecer o ambiente com características naturais, proporcionar diferentes formas de oferta do alimento e a ressocialização dos animais são medidas que podem auxiliar bastante na redução da incidência desses comportamentos indesejáveis melhorando a condição de saúde e bem-estar desses animais e contribuindo para uma melhor relação animal-homem. 

REFERÊNCIAS
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Autor Unknown

GEMEQ - Grupo de Estudos em Medicina Equina da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) - Sede Dois Irmãos .

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